terça-feira, 28 de abril de 2009

Passagem Secreta


Tenho raiva porque não sei onde
paira nem quando pára.
O que?
Sentir-me assim,
comover-me enfim,
dizer um sim nem sempre basta.
Prefiro um não,
é melhor então
o bater do coração,
o som de uma canção,
a rapidez da pulsação,
a sensação no ouvido,
pois sei que estou vivo.
Mas continuo com raiva,
não é doença, não,
é um sintoma,
não como o cão,
mais como o som de um trovão.
Mas sim, por fim,
confio em mim,
penso por mim,
e escrevo assim,
escrevo assado,
escrevo letra a letra
a letra do lado.
Faço uma frase
crio uma rima
lanço um poema
escolho um tema,
e penso no que quer que seja o problema.
Apuro os sentidos,
encontro os sonhos perdidos
que nunca perco.
Apenas guardo
num sítio só meu,
escondidos de olhares perdidos
que estão sempre sozinhos.
Raiva?
Por vezes,
mas contra mim nada é capaz,
porque controlo o meu tempo,
e ele transforma,
qual alquimista,
o que vejo longe da vista,
e me fornece paz.

"Nuno C. Pinto"

...Bons Tempos...

Instante


Que faria eu sem este mundo sem rosto sem questões

Quando o ser só dura um instante onde cada instante

Se deita sobre o vazio dentro do esquecimento de ter sido

Sem esta onda onde por fim

Corpo e sombra juntos se dissipam

Que faria eu sem este silêncio abismo de murmúrios

Arquejando furiosos em direcção ao socorro em direcção ao amor

Sem este céu que se eleva

Sobre o pó dos seus lastros

Que faria eu eu faria como ontem como hoje

Olhando para a minha janela vendo se não serei o único

A errar e a mudar distante de toda a vida

preso num espaço marionete

Sem voz entre as vozes

Que se fecham comigo.

"Samuel Beckett"

domingo, 12 de abril de 2009

Realidade Paralela


Deixem-me ver o sol com os olhos fechados,
sentir a frescura dos dedos molhados,
passar a mão na areia, sentir a sua textura,
deleitar-me em sonhos, na tua procura,
ver o brilho dos teus olhos em cada olhar,
em cada um dos teus gestos de ternura.
Permitam-me a razão, perdoem-me a duvída,
compreendam o tacto perante a visão dúbia.
Excessos, retrocessos, processos, projectos
questões, respostas,
infindáveis fantasias sobre realidades propostas.
Certezas incertas, irregularidades perfeitas,
vontade de viver por entre as palavras que aceitas,
de mim, para ti, para quando precisares, eu estar aqui.
Deixem-me abrir os olhos e ver o brilho,
sentir a doçura dos dedos desenhados,
agarrar um punhado de areia, atirá-la ao vento,
ver a tua silhueta surgir no momento.
Sonhar acordado, tornar tudo verdade,
só eu sei, que quando fecho os olhos, eu tento.

"Nuno C. PInto"

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A Espantosa Realidade das Coisas


A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

"Alberto Caeiro"

????

Losango de Volta???